Não é de hoje que se se faz estudos para viabilizar o melhor caminho na transição para os veículos elétricos. Esse assunto, que é discutido mundialmente, estava presente na COP-26, em Glasgow, na Escócia.
No 10º Simpósio SAE Brasil de Veículos Elétricos e Híbridos, realizado em outubro, diversas questões estavam na pauta: Quais as medidas a indústria automotiva está adotando para virar a chave da eletrificação no País? Estamos preparados para os carros movidos a bateria?
Ricardo Takahira, vice-coordenador da comissão técnica de veículos elétricos e híbridos da SAE Brasil diz que até agora não houve grandes mudanças na área dos híbridos flex e inovações na micromobilidade elétrica. “É pouco em relação ao que acontece na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos, em que, mesmo com prioridade para o petróleo, há novidades com os elétricos.”
Takahira afirma que a implantação da eletromobilidade em escala global envolve práticas econômicas inéditas e critérios rígidos de responsabilidade ambiental, social e de governança, que preparam o terreno para o surgimento de soluções tecnológicas. A seu ver, a discussão não se resume à mudança do powertrain clássico, com motor a combustão, para o eletrificado. Também é preciso considerar a utilização de biocombustíveis e a hibridização, embora algumas fabricantes defendam que os modelos híbridos estejam condenados a uma vida curta.
“O Brasil possui muitas possibilidades energéticas e opções de combustíveis sustentáveis. Mas ainda carece de um marco regulatório mais incisivo, com datas e objetivos para as empresas justificarem as ações locais para suas matrizes”, destaca Takahira.
Eletromobilidade também nos ares
A eletromobilidade depara com desafios, como desenvolver projetos e adequar o parque industrial e a cadeia de suprimentos, inclusive de outros modais. Segundo Flávia Ciaccia, vice-presidente de experiência do usuário da Eve Air Mobility, o foco da transição da mobilidade recai, tradicionalmente, em veículos sobre rodas.
“No entanto, a revolução elétrica também surpreende em outras áreas, como a locomoção aerourbana. O Brasil, que já exporta aviões, está ingressando no mercado de eVTOL, aeronave elétrica de decolagem e pouso verticais”, salienta.
Ela dá o exemplo do projeto da Eve, empresa independente que pertence à Embraer: um eVTOL com capacidade para piloto e quatro passageiros e com autonomia de 100 quilômetros, suficiente para a locomoção na cidade. “O eVTOL tem custo operacional seis vezes menor que um helicóptero e poderá ser requisitado como táxi aéreo, serviços médicos, voos turísticos e de transporte do aeroporto para algum ponto da cidade”, diz Ciaccia.
Existem mais casos fora do âmbito dos automóveis de passeio. “Motivado pelo sistema elétrico metroferroviário existente há décadas, o setor marítimo dá passos em direção aos combustíveis verdes, como o hidrogênio, solução também apontada para os veículos pesados fora do ambiente urbano”, acrescenta Ricardo Takahira. “No agronegócio, o biocombustível, combinado a fazendas solares, biodigestores e etanol, terá condições de alavancar uma série de possibilidades, além da exportação de tecnologia.”
Descarbonização em três cenários
A eletrificação caminha de mãos dadas com a descarbonização do meio ambiente. Em sua apresentação, Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), revelou que 13% das emissões, no Brasil, são provocadas pelo transporte. A agropecuária (35%) e o desmatamento (27%) são os maiores responsáveis pelos gases tóxicos despejados na natureza. Nos Estados Unidos, a parcela de culpa dos veículos é de 29% e, na Europa, 23%.
No entendimento de Moraes, o cenário possível para a eletrificação no País se dará de 10 a 15 anos. Para que isso aconteça, alguns fatores precisarão influenciar a evolução das rotas tecnológicas, como estímulos governamentais, desenvolvimento da indústria, disponibilidade de infraestrutura de produção e distribuição e paridade dos custos de veículos elétricos, em comparação aos de motores a combustão.
“A convergência dessas forças vai moldar a descarbonização, no País, nos próximos anos, em três estágios”, diz o presidente da Anfavea. O primeiro chama-se inercial. Em um cenário mais conservador, os motores a combustão ainda dominarão a frota, em 2035, ao passo que os eletrificados – com 1,3 milhão de veículos nas ruas – atenderão a segmentos específicos, requisitos de emissões e clientes corporativos.
Na segunda situação, batizada de convergência global, a evolução tecnológica e o ritmo de crescimento permitirão que os veículos elétricos ganhem escala, chegando, em 2035, a patamares similares aos da Europa, com 2,5 milhões de unidades. “Nesse caso, o Brasil necessitará de 150mil carregadores e investimentos de R$ 14 bilhões”, projeta Moraes.
Sem políticas públicas
O protagonismo de biocombustíveis é o terceiro estágio. Nele, o etanol ganha mais espaço como personagem da descarbonização, beneficiado pela frota de carros flex e ampla infraestrutura de produção e distribuição.
“Em 2030, o consumo de etanol aumentaria em 18 bilhões de litros, exigindo área plantada adicional de 1 ou 2 hectares para atender à demanda”, salienta. “O maior uso do etanol acelera a descarbonização a curto e médio prazos ao reduzir a emissão da frota circulante.”
No entanto, Moraes lembra que todo o estudo em torno da descarbonização esbarra em dois paradoxos brasileiros: o envelhecimento da frota e a isenção de Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para automóveis acima de 20 anos. “Se não houver uma política que ataque e resolva a frota cada vez mais velha, jamais acontecerá a redução de emissões no País”, decreta. “E, na medida em que o governo exime os carros acima de 20 anos de pagar IPVA, ele estimula a livre circulação dos maiores agentes poluidores.”
Tais dificuldades chegam a um ponto complicado: a falta de políticas públicas para a eletrificação. “Enquanto Europa, Estados Unidos, China e Índia avançam nessa pauta, o Brasil segue completamente estagnado”, lamenta Moraes. Consequentemente, a eletromobilidade em construção no País continuará sempre um passo atrás – ou mais – em relação ao resto do mundo.